terça-feira, agosto 15, 2006

É de se lhe tirar o acento circunflexo

Redacção feita por uma aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso
interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa.

"Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam
no elevador. Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos
bem vividos pelas preposições da vida. O artigo, era bem definido,
feminino, singular.
Ela era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era
ingénua, ilábica, um pouco à tona, um pouco ao contrário dele, que era um
sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e
filmes ortográficos.
O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele
lugar sem ninguém a ver nem ouvir.
E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar,
conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe
esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro. Óptimo, pensou o
substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos.
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador
recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára
exactamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal,
e entrou com ela no seu aposento. Ligou o fonema e ficaram alguns
instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante.
Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a
insinuar-se.
Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e
rapidamente chegaram a um imperativo. Todos os vocábulos diziam que iriam
terminar num transitivo directo. Começaram a aproximar-se, ela tremendo de
vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente.
Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples,
passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que
ainda era vírgula. Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe
soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas
palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o
comum de dois géneros. Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz
activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi
avançando cada vez mais. Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com
todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na
posição de primeira e segunda pessoas do singular. Ela era um perfeito
agente da passiva; ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande
travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisto a porta abriu-se repentinamente.
Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a
dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram
gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas, ao
ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o
verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de
se tornar particípio na história. Os dois olharam-se; e viram que isso era
preferível, a uma metáfora por todo o edifício.
Que loucura, meu Deus.
Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se
aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo
do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais
perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo
claramente uma mesóclise-a-trois.
Só que, as condições eram estas.
Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do
substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino. O
substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois
dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto
final na história.
Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou
ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo
feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva."


Agradecimentos à menina Sofia que mandou este belo texto por mail, e parabéns à menina que escreveu este texto, vê-se claramente que é uma badalhoca de primeira.

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